Passei uma noite de sono tão profunda e completa, que cheguei a não escutar o estridente alarme do despertador. Estava sonhando, coisas bonitas, coisas boas, sonhos engraçados e malucos – fui despertada com amor, mas meio contrariada.
Quando cedi, levantei, gostei da sensação de frio sob os pés, escancarei as janelas de casa. Por falta de acesso à janela da sala, me enfiei na lavanderia, enquanto esperava meu café passar em cima do fogão. Olhei primeiro para o céu, tentando avaliar se hoje ficaria quente, se choveria.
Olhei para o chão, e confesso que avaliei se sairia um bom registro para o Instagram. Se a paisagem estava bonita, e no caso, não estava. Tinha um emaranhado de fios de poste, dois carros cinzentos estacionados, e uma senhora de meia-idade num trote bem leve, com roupas simples de ginástica, um tênis barato e meias feias.
Meu café ficou pronto, decidi ir para a sala sorvê-lo a goles pequeninhos, enquanto esfriava, e aí trombei naquele aparador que eu não gosto, exatamente porque me tolhe o acesso à janela, confesso, que pensando se as fumacinhas do café não tornariam o vídeo da janela publicável. Não gostei do resultado, mais uma vez – os mesmos carros, o céu enferruscado, e a mesma mulher, contornando a praça.
Percebi que ela caminha quando está no outro extremo da praça, e trota quando está na minha rua. Eram 7h quando ela dava mais ou menos a quinta volta, com seu corte de cabelo meio antiquado, igual suas roupas, calçado e meias. Nesse momento, ignorando a paisagem que não era bonita, comecei a botar reparo nela.
Cedo, frio, meio nublado, com chances de chuva, com seus acessórios baratinhos, caminhando de um lado, trotando do outro. Não sei nada sobre ela, provavelmente jamais saberei.
Será que ela trabalha depois de contornar a praça algumas vezes de manhã? Será que ela mora por aqui? Será que ela vai na academia, será que o médico a instruiu a começar atividade física? Será que ela faz por gosto, ou por necessidade? Será que ela preferia ir acompanhada, ou opta por ir sozinha?
Não sei. Não sei. Não sei para todas as perguntas. Provavelmente, nada disso importa – nesse caso, só importa o que ela causa em mim, e não o que é a verdade por trás dessa senhora.
Ver uma pessoa comum, com roupas comuns, numa rua qualquer, de uma praça comum, com uma vida (será?) também comum, ou ao menos anônima… saindo 7h da manhã, para praticar um exercício, me comoveu.
Me fez pensar sobre como algumas coisas são tão ordinárias, tão usuais, tão simples, e podem fazer tanta diferença nas nossas vidas. Um momento nosso, de concentração, de dedicação, de auto-melhoramento, pode estar ao nosso alcance, se nos dispusermos a levantar um pouco mais cedo. A enfrentar o frio. A não olhar com desdém para a nossa rua, o nosso bairro. Não tratar com pouco-caso as nossas meias, e simplesmente, usando o que se tem, fazer o que se quer.
Ela provavelmente vai lá com alguma frequência. Eu a vi somente uma vez. Somente um dia, entre tantos, eu estava com os “olhos de ver” a singeleza daquela cena. Não sem primeiro, procurar com “olhos de postar” algo que me parecesse postável. Foi preciso cinco voltas para os meus “olhos de ver” finalmente enxergarem.
Daquele dia em diante, passei a tentar colocar mais os meus “olhos de ver” nos meus cenários habituais. E o pior é que sempre tem algo a se ver! Veja! Abra os seus olhos de ver!
Gostei da reflexão! E ler ainda pela manha, fez tudo ter mais sentido.
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