Ruído externo X Ruído Interno

Eu trabalho rodeada de pessoas que gostam de bater aquele papinho amigável, amenidades, miudezas, coisas que não me interessam at all. No escopo das coisas que não me interessam, estão: as últimas nojeiras de Bolsonaro, quem dormiu bem ou mal na noite passada (e por quais razões), se o tempo vai melhorar ou piorar, as contratações de início de ano do futebol brasileiro e um longo – LONGÚISSIMO – etc.

Eu sou naturalmente introspectiva, preciso de silêncio para me concentrar, especialmente em tarefas com necessidade de escrita, como é a minha. Tudo me distrai, e considero toda chamada para conversar amenidades como uma interrupção, um ruído. Não me apetece e ainda me tira do mood.

Por educação, por falta de coragem de ser grosseira ou rude com os colegas, fico olhando com aquela cara de cu, meneando a cabeça aqui e ali, emitindo interjeições de empatia, rezando para que vão logo embora. Começo a digitar furiosamente cada vez que vejo um colega meu se levantando, e penso que ele pode estar vindo pra cá. Enfio a cabeça no computador, finjo não ouvir alguns comentários que não foram ditos em voz tão alta assim pelos meus colegas de ilha. Tento usar a capa da invisibilidade.

Mas o pior, eu inaugurei nesta semana: para coibir que me chamem e demandem ainda mais, decidi começar a ostentar fones de ouvido, desligados mesmo, apenas para que  tenham de me chamar, caso queiram conversar. Ao contrário do que pensava, isso não os intimidou. Embora tenha reduzido, talvez pelo inconveniente de que não poderão me encontrar tão disponível (talvez a palavra ideal seja vulnerável?) a continuar a conversação, estão gradativamente se tornando autossuficientes, e me excluindo de alguns debates.

Só nos últimos dois dias, fui poupada de falar sobre quanto custa um tanque de combustível cheio de uma moto BMW, sobre um beach club que abriu na praia do Campeche (assunto este em reprise, sendo que a primeira rodada, fui vítima de ouvir generalidades a respeito), as peripécias no trânsito que meus colegas testemunharam no trajeto até o trabalho, entre outras.

Estava aliviada, mas ainda muito incomodada comigo mesma. Porque eu sou esse flanco aberto, porque parece tão fácil usar os meus ouvidos? Porque parece que eu estou interessada no tempo que a neta mais velha do meu colega leva entre ouvir o interfone e descer até o térreo?

Porque as pessoas acham que podem me impor uma série de informações, pessoais e impessoais, sem que eu as tenha jamais questionado? Porque logo comigo?

(Pausa para o vitimismo, autoflagelo, queixas, imprecações).

Daí que, em algum ponto do processo, me ocorreu um pequeno estalo. Eu nunca vou entender. Essas pessoas funcionam de outra maneira, não da minha. Considerei haver um problema orgânico mais sério, de fundo, comigo, e me consultei com o google: descobri que não fui “aprovada” nem para o grau mais leve de autismo, eu só sou mais silenciosa que o meu entorno.

Porém, para ser justa e poder me sentir menos angustiada, eu foquei numa solução. Na realidade, solução ou não, me pareceu que eu deveria mudar o enfoque. Considerando que essas pessoas de fato nunca se modificarão (altamente provável, se pensarmos no seu perfil geracional), eu vou passar ainda quanto tempo me sentindo afetada pelas suas interrupções?

Sim, elas são ruidosas, mas e esse eco que eu faço aqui, irritada, incomodada com as suas idiossincrasias, não são também ruídos internos, autoimpostos, como se eu mesma me punisse mais uma vez?

Para ser justa, não saio exatamente tão exausta do trabalho quanto elas não me interrompem, provando que tenho um grande ruído interno para cessar, antes de querer ir corrigir o outro?

Só de pensar isso, algo se desprendeu e foi embora das minhas entranhas, tornando o meu despertar mais leve, com a singela aceitação daquilo que não controlo.

E hoje, para celebrar essa imensa alteração, decidi chegar, pegar os meus fones de ouvido… e de fato ouvir uma música. Se é pra ouvir ruído, que eu pelo menos tenha alguma opção de escolha neles!

5 comentários em “Ruído externo X Ruído Interno

  1. Passei por uma experiência semelhante, minha solução foi comprar um abafador de ruído (desses vendidos em lojas de material de construção). Acho que eu precisava desapegar e aprender a perdoar as pessoas… Mas comprar um protetor auricular é mais rápido e prático.

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  2. Não sei qual dos dois que escreveu (fui fuçar o 3 Talheres e fiquei impressionada!), mas essa semana levei o assunto pra psicoterapia e ela também tentou me ajudar a focar na solução, uma vez que isso parece um problema tão grande…hahahaha

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