A despedida que mais ensaiei, e mesmo assim não soube o que dizer

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Primeiro aninho de vida – esse olharzinho doce existiu até o último dia.

Depois de 16 anos e 10 meses, meu cãozinho morreu essa semana. Ficou internado por 5 dias, sofreu um bocado, e no fim, partiu e descansou.

Ainda bem que só durou 5 dias essa tortura – pareceram 5 meses.

A minha sorte na vida é tão grande, que eu nunca vivi luto por ninguém até hoje. Meus parentes mais próximos estão todos vivos, assim como meus grandes amigos. Sofrer a perda do bichinho, após uma vida tão longa e bem vivida, é o mais perto que já cheguei disso.

Eu costumava pensar que estava me preparando para isso. De certa forma, até estava – me conscientizando de que cada dia a mais, era um dia a menos. Oferecendo mais conforto e qualidade de vida para ele. Adotando um segundo cachorrinho, quando me dei conta do quão importante é para mim, ter essa rotina de cuidar, acompanhar, dar amor a um animalzinho.

Nos dias anteriores, enquanto a gente lutava para que ele tivesse uma chance, gastando uma fábula de dinheiro e usando recursos altamente avançados até para humanos, eu fui me conscientizando de que isso ia acontecer. Eu cheguei a pedir que acontecesse de uma vez – acho que não existe mesmo ateu quando alguém que você ama sofre.

Chorei muito, muito mesmo, de saudade e amor. Ainda choro e me forma um nó na garganta, escrevendo agora. Não por apego, ou por não me conformar, mas por saber que não vou mais abraçar aquele corpinho minúsculo.

Não vou mais poder estreitá-lo contra o meu peito, subindo as escadas, quando eu apertava um pouco demais, porque amava segurar ele no colo, e ele não gostava muito disso. Não vou mais ganhar as lambidas velozes e fedidas na ponta do nariz, que sempre me faziam respirar fundo pra aspirar o cheirinho.

Nunca mais vou poder abrir a porta do quarto no meio da madrugada, quando ele raspava a porta, querendo entrar e subir na cama. Beijar sua cabecinha, importunando seu sono.

Era um cachorrinho divertido, o Bibi. Aprontou pra burro, e sempre me fez rir muito.

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Na mesma noite em que ele morreu, acordei depois de um sonho bem simbólico com ele. Estávamos, toda a família, passeando em Roma. Ele também, só que ele fugia muito. Estava sempre escapulindo, e se colocando em risco.

Até que ele sai correndo, atravessando uma rua em fila dupla, em que os carros freiam a tempo de não atropelá-lo. Mas eu fico do lado de cá da rua. Não consigo sair do lugar, não consigo alcançá-lo. Ele não está mais do lado de cá. Ele atravessou, eu não.

Ele, e o que acontece com ele, não está mais em minhas mãos.

Isso às vezes dói, às vezes não.

Morreu com ele a minha melhor versão: só com ele eu tomava  tantos cuidados, eu era atenta, compreensiva e paciente. Tudo o que eu não sou com ninguém, nem comigo, eu conseguia ser com ele.

É claro que eu tento transpor esse limite, e distribuir por outras partes o que era dele. Mas por quase 17 anos, foi com ele que eu me superei. Foi por ele que eu melhorei como pessoa, e não fui completamente egoísta e autocentrada.

Dias antes dele adoecer, já em remissão da depressão e diminuindo os medicamentos, me chamava a atenção como há muito tempo eu não chorava. Nada me era assim tão emotivo.

Até isso ele me fez ter: a minha própria noção de humanidade. A capacidade de sentir. Com o fim dele, recuperei a sensação de que sou tão humana que sofro, e choro.

Choro até demais, se vocês querem saber. De soluçar. E depois sigo, por mais um tempinho, sorrindo e seguindo a vida em frente.

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