
Anteontem, uma trovoada absurda se iniciou por volta de 3h da manhã. Antes que eu ouvisse os sons, senti um tictictic das patinhas de Waffles ao redor do nosso quarto, e antes mesmo que eu abrisse meus olhos, senti o seu corpinho tentando se içar à nossa cama. Ele rodeia pelos dois lados, e depois se estica, colocando as patinhas dianteiras na beirada da cama.
Nessa madrugada, deu sorte de primeira, veio para o meu lado, e eu já me virei de lado para puxá-lo. São cerca de 12kg de delícias e eu já nem lembro mais como era segurar um saquinho de ossos de 4kg, meu saudoso Bibizinho. Toda vez que vou erguer o Waffles, recruto musculatura das costas, do CORE, de modo que nunca precisei com Billy. Consegui puxá-lo de uma vez, e ele se aninhou contra mim.
Ele empurra com força contra o nosso corpo quando está com medo e quer se sentir protegido. Faz isso com a busanfa, contra qualquer parte minha que encontrar. Em poucos minutos, começa a hiperventilar e de respiração acelerada, implora por algum tipo de ajuda.
Não podemos fazer nada, além de conversar com o cachorro e apertá-lo um pouquinho mais. Ele não gosta de muita proximidade nem contato físico, e morre de calor. Mas quando tem trovoada, sempre abandona o distanciamento e vem nos pedir alguma coisa.
Não sabemos o que dar, então vamos lidando com ele. Ele sobe por cima de mim, tenta se acomodar. Está exaurido, mas a trovoada decidiu levar mais de 2h para terminar. De início vamos bem, só que o barulho vai aumentando e chega a vibrar as janelas. Estão exigindo demais de um bichinho que mal começou a entender que não há risco ali dentro de casa.
Como tenho lido sobre o assunto, tento fazer uma exposição positiva. Busco uma colherada de carne moída na geladeira, que havia deixado pronta para o almoço do dia seguinte, e vou oferecendo aos poquinhos a ele. A ideia é que ele possa fazer alguma associação positiva entre a carninha, que ele ama, e os trovões, que ele tem pavor.
Acabada a carne moída, a ansiedade continua atingindo patamares incríveis. Quando é quase 5h da manhã, ainda chove torrencialmente mas os raios são esparsos. Estou moída, depois de lidar com ele a noite toda, bafejando no meu rosto como quem implora por alguma solução.
Se eu pudesse controlar a trovoada lá fora, com certeza o faria, querido. Desistimos da cama, e vamos para o sofá. Ele se aboleta junto de mim no sofá que é pequeno para eu dormir deitada, mas o dia está chegando e o pior já passou.
Acordo um pouco pregada, porém vencemos mais uma etapa. Estou feliz de ver como ele estava um pouco melhor diante de uma tempestade tão forte.
Quando Waffles chegou, na nossa primeira noite, ele ficou dessa mesma forma, apavorado. Eu não sabia ainda do que se tratava, mas ele teve uma crise de ansiedade, provavelmente por ter saído do lar temporário e agora estar morando em outro lugar. Levamos alguns dias para vê-lo ficar mais tranquilo e aprender a passear. Ele não sabia andar na coleira, e aprendeu em cerca de dois dias.
Até hoje, ele não gosta de ser pego no colo, nem de muita proximidade física. Respeitamos isso ao máximo, mas ficamos felizes quando ele passou a tolerar estar na nossa cama, nos meses mais frios de inverno. De início, nem isso era muito confortável para ele, mas ficávamos com dó de ver como ele amanhecia gelado, dormindo no chão, mesmo tendo a caminha toda forrada.
Descobrimos em algum ponto da jornada que ele é um viciado em meias usadas. De vez em quando, rouba um pé de meia e leva para sua caminha, onde pode mordiscar sem jamais danificar o tecido. Também já dei flagrante nas pontas das minhas canetas marca-texto, e no cabo do carregador do notebook – sendo que esse eu salvei de um dano maior. Tem algumas páginas de livros que ele também deixou marcas de dentinhos, sempre muito devagar. Ele não tem muitos dos dentinhos na boca.
Toda a nossa rotina doméstica e familiar orbita ao redor das necessidades de Waffles, que são tão poucas. Ração duas vezes ao dia, sempre enriquecida com alguma proteína animal que torne a comidinha mais apetitosa. Passeio de manhã e à tarde, o colírio que ele toma desde que chegou para os olhos secos, pensar se está muito frio, se precisamos colocar roupinha nele, ajeitar a minha almofada de meditação onde ele fica, aos nossos pés sob a mesa da sala, enquanto estudamos no computador.
Ele é tão simples, tão maravilhosamente simples, exige tão pouco de nós. Chora um chorinho curto e de três notas, quando encontra uma porta fechada. Quer sair para me levar ao trabalho, todos os dias antes de almoçar. Se tem vontade de comer ou passear, começa a nos lamber freneticamente, agitando-nos, correndo para cá e para lá. Se está muito apertado e é madrugada, chora para que possa ir ao banheiro lá fora.
Waffles adoçou a nossa existência e torna cada novo dia um cumprimento alegre que lhe direcionamos. Me sinto como alguém que ganhou duas vezes na loteria, pois assim como Bibi, ele veio pronto e perfeito, assim como é. Mansinho, silencioso e inocente. A pureza dos seus olhinhos cor de caramelo claro, de pestanas imensas, me comove e torna tudo mais belo no mundo.
