
Como comentei no primeiro post sobre a viagem, eu estudei um bocado antes de chegar na Suécia – era tão complexo quanto um painel de avião pra mim esse destino. Eu não tinha planos de voltar. Portanto, precisava absorver o máximo que conseguisse.
E lendo num blog que contava coisas sobre a cultura escandinava, eu me deparei com alguns conceitos novos, que vou apresentando conforme entender melhor: hygge e lagom.
Eu havia ouvido falar de hygge pela boca de pessoas que criticavam a ode ao hygge dos dinamarqueses, dizendo que não passava de obviedades e autoproclamação. Na maioria dos casos, quem criticava era americanos.
De ler as críticas, eu julguei ter entendido o conceito, e foi só estando lá, em Estocolmo, prestes a começar a ler meu livro sobre lagom que havia encomendado de Portugal, que a minha cunhadinha me emprestou um livro super parecido, o Little Book Of Hygge, de Meik Viking.
Guardei meu livro de lagom e corri para ler esse antes de voltar pra casa – em inglês. Eu tenho alguma proficiência e li o livro todo, mas sem dúvida adoraria pegar uma tradução. Alguém que queira me trazer isso de Portugal, aceito.
Assim como num dia macabro eu li um livro sobre o Holocausto enquanto percorria a Polônia até bem perto dos portões de Auschwitz, naqueles dias, eu cruzava pedacinhos da Suécia de trem lendo sobre hábitos dinamarqueses que construíam o tal do hygge.
Eu não fui à Dinamarca, mas tenho uma licença poética: quando hygge foi “criado”, como um conceito e passou a aparecer em registros escritos, a Suécia ainda fazia parte do mesmo reino. E além disso, me perdoem se eu estiver sendo excessivamente generalizadora, você sente alguma semelhança impalpável quando percorre a região.
É diferente, mas é parecido também. Sabe como? Cultura gaúcha na Argentina, Uruguai e pedacinhos do Brasil? Culinária mediterrânea entre Itália, Espanha e Grécia? Entendam dessa forma.
Hygge não é possível de traduzir literalmente. Mas no pinterest é apresentado como velas, mantas de lã e canecas de chocolate quente. O que o autor do primeiro livro que li define, é que hygge é uma atmosfera, não é um objeto. Não é um lugar.
Você capta o hygge no cheiro, na textura, na temperatura e no clima das conversas, das músicas e até no sabor das comidas. Hygge não é sofisticado, metido à besta. Hygge é o seu meião de ficar dentro de casa, o seu cozido de carne com batatas por cima do arroz. Hygge é reprisar Esqueceram de Mim com pipoca na TV.
Segundo meu irmão (brasileiro), é normal as pessoas entrarem num lugar, sentirem a atmosfera e dizerem: legal, aqui está hygge. Ou segundo o livro, você convidar dois ou três amigos para te visitar e todo mundo “ficar hygge” – o que significa que você não precisa se produzir, você não precisa elaborar um menu, você não precisa se armar de formalidades e nem trazer assuntos espinhentos para a mesa. Vocês se reuniram para relaxar.
Segundo o mesmo livro, essas coisas todas foram sendo valorizadas na cultura escandinava como um antídoto para os longos invernos. São quase 9 meses de escuridão, frio, eventualmente neve. Você precisa cultivar ativamente o calor, tanto físico quanto emocional. No verão é fácil querer sair por aí, se reunir, confraternizar. Mas o verão é curto demais por lá.
E ainda, no mesmo livro, tem toda uma discussão sobre como hygge existe no verão também – dessa vez, amparado num conceito de aproveitar as atividades ao ar livre, os alimentos sazonais, e fazer “reservas” de luz e calor.
Muito antes de finalizar a leitura, eu já havia me encantado pelo que estava entendendo. Até porque, não sei se vocês vão se recordar, mas eu já tive depressão durante quase 3 anos, e todo inverno era uma luta ainda maior.
Eu sempre fui suscetível ao clima lá fora, mas moro no Brasil, então o mal estar é relativamente temporário. Já nos países escandinavos, a vinterdepression é um problema inclusive de motivações fisiológicas, relacionadas à pouca exposição de luz solar, não só ao calor.
De modos que aprender com o “povo mais feliz do mundo” (isso deve ser autoproclamado, não?) como suportar o inverno me pareceu um ato inteligente. Além de bem conectado ao universo da ayurveda, a chamada “medicina dos contrários”, em que você compensa as variações climáticas com diversos hábitos alimentares e de atividades diárias.
Vale dizer, inclusive, que os escandinavos seguem várias das recomendações ayurvédicas para o frio – sendo que ao contrário dos indianos e de nós, brasileiros, eles seguem isso meio que quase o ano todo. Não fiquei exatamente surpresa com as semelhanças, mas é muito curioso ver como a humanidade pode, em tempos históricos e locais tão diferentes, cultivar hábitos semelhantes.
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Foi assim que eu já coloquei na bagagem uma novidade no meu universo dos estudos e curiosidades: eu ia passar esse inverno todo entendendo o hygge melhor. Na teoria e na prática.
Preciso de uns dois ou três amigos que queiram ficar hygge aqui em casa. Voluntários, apareçam.