
Para quem não é “da bolha”, ayurveda lá na Índia tem o seu próprio Ministério da Saúde (o AYUSH), e as suas próprias faculdades de medicina, com grade curricular totalmente diferente da medicina chamada “moderna”, que é a medicina que nós conhecemos aqui no Brasil.
Trata-se de outra fisiologia, outra anatomia, outros medicamentos, uma outra lógica em todos os níveis. E quando eu organizei a minha viagem à Suécia, em maio, eu logo quis ver o que tinha lá de ayurveda. Descobri alguns spas, diversos produtos, uma infinidade mesmo, e a clínica da Dr Tejal, que veio a ser a minha médica.
Importante salientar que, assim como no Brasil, lá na Suécia, a dr. Tejal exerce ayurveda como uma terapia holística, e não como um sistema médico oficial. Mas para mim, que estou longe demais da Índia, foi o mais próximo que cheguei de um tratamento especializado direto da fonte.
Agendei tudo com antecedência pelo site dela, expliquei onde eu estaria hospedada, e perguntei se ela conseguiria se comunicar comigo em inglês. No dia, localizei o endereço com facilidade, e quando chegou na hora, ela me enviou o código que eu deveria digitar na portaria para subir até o quarto andar, onde ficava a clínica. Isso é extremamente comum lá – meu irmão vivia pedindo lanchos e o entregador sabia o código do prédio deles.
De todo modo, eu subi a pé, e toquei a campainha de uma sala comercial, com uma pequena recepção. Pelo estilo, ali também era uma espécie de spa e ambiente onde as pessoas faziam massagens e outros tipos de tratamento. Você podia ou retirar os calçados, ou utilizar uma touca para mantê-los. Eu retirei os meus e aguardei um pouco.
Reconheci a dr. Tejal se despedindo de alguém, quando ela me pediu licença para ajeitar a sala e então me chamar.

Depois de uns 3 minutinhos, entrei numa sala contendo uma maca, a escrivaninha dela, e uma cadeira para mim. Começamos conversando amenidades, ela quis saber o motivo de eu ter ido parar lá em Estocolmo, falamos sobre como ayurveda era no Brasil e como era ali na Suécia. Ela me contou que se formara na Universidade de Bombaim, e que a formação dela tinha sido complementada pelos ensinamentos de um guru. A Universidade tem lá os seus professores, matérias e provas, mas você pode pedir a algum guru que ele complemente a sua formação, e nesse caso você passa a frequentar a casa dele diariamente, e recebe os ensinamentos através dele.
Inclusive o Matheus, do querido Vida Veda, também passou anos sendo ensinado por um guru que conheceu na Universidade de Gujarat. Eu tenho quase certeza de que faria o mesmo. Não para substituir uma coisa pela outra, mas para aumentar os meus conhecimentos.
Ela me questionou informações básicas como idade, familiares, e logo me explicou que na tradição que ela foi ensinada, ela precisa saber da saúde dos membros da minha família, incluindo o meu irmão! E depois entramos mais a fundo no meu caso, nas minhas queixas e nos meus hábitos atuais.
Eu levei a questão do meu ciclo menstrual irregular e o meu refluxo. Ela questionou tudo o que eu fazia em termos de alimentação, rotina de dormir, acordar, trabalhar, e passou aos exames físicos que foram de pulso e auscultação de várias partes do meu corpo, incluindo articulações como os joelhos. Essa parte foi muito interessante para mim, que nunca tinha recebido um diagnóstico de pulso (pelo qual o Vd Vasant Lad ficou famoso num documentário do Globoplay chamado O Médico Indiano).
Após os exames e da nossa conversa, ela me deu o diagnóstico nada surpreendente: um desequilíbrio de vata. Tudo o que envolve movimento no nosso corpo é influenciado por vata, e tanto num caso como no outro, são movimentos internos que estão ocorrendo de maneira irregular – no caso da menstruação, como se houvesse um desvio/bloqueio do fluxo natural (no meu caso fico muito tempo sem menstruar) e no caso do refluxo, o inadequado movimento da minha digestão.
Ela então abriu o computador e me apresentou um pouco sobre o vata, seus desequilíbrios e como compensar – mesmo que eu soubesse, ela disse que fazia questão de me apresentar. E depois já iniciou a prescrição da minha rotina, colocando tudo numa folha A4 à mão livre – depois, no mesmo dia, recebi um PDF com as mesmas orientações. A minha rotina consistia de exercícios respiratórios matinais, alimentação com o poder de aterramento, fitoterápicos que ajudam na digestão, automassagem, meditação.

Ela também foi taxativa quanto a dois detalhes que eu vinha praticando: eu deveria comer pela manhã sim, mesmo que pouco – isso estava provavelmente afetando o meu apetite e digestão pelo resto do dia – e deveria comer kitchari somente no jantar ou se estivesse doente. Kitchari is a detox food, you don’t need it, it’s not good for you. E eu vivia arrasando de kitchari na hora do almoço e ficando de boquinha nervosa no período da tarde…
Conforme ela ia propondo, me perguntava se eu teria acesso aos determinados medicamentos que ela sugeria no Brasil, e também me questionava sobre se eu conhecia o pranayama que ela cogitava me passar – um deles ela me ensinou. Ela indagou quantas saudações ao sol eu teria tempo e disponibilidade de fazer – respondi que duas – e ela disse que eu devia ser franca, pois ela iria colocar quantas eu pudesse.

Dois dos medicamentos indicados ela tinha no local para me vender, e aí, já chegando no final da consulta, houve um desfecho surpreendente: ela me perguntou de que forma eu gostaria de pagar, eu respondi que havia levado cartão, e ela disse que preferia receber por invoice (algo como o pix, bem popular lá). Eu disse que não sabia fazer, mas meu irmão poderia, e ela me responde que só enviaria o invoice dali a dois dias. You can go to Brazil, there’s no worry.
Essa delicadeza me deixou um pouco impressionada; a verdade é que na Suécia houveram várias pequenas mostras de confiança que não temos o costume aqui no Brasil por razões óbvias, e sendo ela indiana, imaginei que também teria um pouco dessa mentalidade. Eu poderia perfeitamente ter sumido no mundo e ela nunca mais ter notícias minhas, mas ela não demonstrou se importar com isso.
Como paciente, fiquei muito satisfeita com o atendimento dela e achei a rotina super justa, de acordo com o que eu precisava mesmo fazer. E como terapeuta ayurveda, fiquei um pouco orgulhosa de ver que os protocolos que eu passo às pessoas, pois se parecem muito com os dela. Não dá para negar que ela tem uma perícia ao examinar as pessoas que eu talvez jamais adquira, a não ser que curse Medicina. Além disso, por ser indiana e ter feito toda a sua formação em Bombaim, ela “navega” muito melhor pelos medicamentos originais, indicados nos clássicos.

Eu não sei se algum dia voltarei a encontrar a Dr. Tejal, mas foi um prazer conhece-la e receber os seus cuidados. E espero, algum dia, ter uma influência assim positiva na vida de alguém.